Mais do que Esquerda ou Direita, uma Batalha pela Memória e pelo Futuro
Analisar o presente para construir um futuro mais justo.
A política não é um jogo de futebol. Não se trata de escolher uma cor ou um emblema. Trata-se de escolhas concretas com consequências reais na vida de todos nós. O salário que encolhe face ao custo de vida, a casa que se torna um luxo inatingível, a consulta que tarda, o futuro incerto dos nossos filhos – nada disto acontece por acaso. São o resultado direto de décadas de opções políticas.
A direita, e os que seguem a sua cartilha, tentam vender-nos uma ideia de inevitabilidade. Falam de "mercados", de "regras europeias" e de "falta de alternativas" para justificar o empobrecimento de quem trabalha. Mas a verdade é que existe uma alternativa. A questão é saber de que lado da barricada da História nos queremos colocar. Queremo-nos resignar a este presente, ou lutar por um futuro diferente?
Ser de esquerda, hoje, é travar uma batalha pela memória. É lembrar de onde viemos, das conquistas que foram alcançadas com suor e sacrifício, e compreender como as políticas de direita as têm vindo a desmantelar, peça a peça. Este texto é um convite a essa reflexão.
A demonstrar que as propostas da esquerda não são uma utopia, mas sim o caminho lógico para devolver a Portugal a dignidade, o progresso e a soberania.
Esquerda vs. Direita:
Pensar a política pela lente da igualdade
A divisão não é arbitrária. Representa projetos de sociedade opostos, que respondem de forma diferente à pergunta central: a quem deve servir a sociedade?
O projeto da direita baseia-se na competição e no individualismo. Acredita que a sociedade funciona melhor quando cada um persegue o seu próprio interesse, e que o mercado, livre de "interferências", é o mecanismo mais eficiente para gerar riqueza. Nesta visão, o Estado deve ser mínimo, limitando-se a garantir a ordem e a propriedade.
As desigualdades são vistas como um resultado natural e até desejável, um incentivo para o "esforço".
O projeto da esquerda, pelo contrário, baseia-se na cooperação e no coletivo. Acredita que a liberdade individual só é plena quando existe uma base de segurança e igualdade para todos. Defende que a economia deve estar ao serviço das pessoas, e não o contrário. Para a esquerda, o Estado é a ferramenta da comunidade para garantir direitos universais – saúde, educação, habitação, pensões dignas – e para corrigir as desigualdades que o mercado, por natureza, gera e aprofunda.
A escolha não é entre duas equipas, mas entre dois futuros: um de competição individualista, que aprofunda a fratura social, ou um de progresso coletivo, que fortalece os laços de solidariedade.
Desmontando um Mito:
A Esquerda e as "Ditaduras"
É a acusação mais comum para invalidar a esquerda: "querem transformar Portugal em Cuba". Mas será que a história é assim tão simples? Quatro pontos essenciais para um debate honesto:
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1. Contexto: Ninguém constrói nada debaixo de ataque.
As revoluções em países como Cuba ou Rússia não derrubaram democracias pacíficas, mas sim ditaduras cruéis e corruptas. Desde o primeiro dia, estas novas experiências foram brutalmente atacadas por potências estrangeiras com invasões, sabotagens e bloqueios económicos que duram até hoje.
É impossível analisar estes regimes sem considerar este estado de guerra permanente. -
2. Resultados: O que mudou na vida das pessoas?
A narrativa da direita foca-se apenas no sistema político e omite as conquistas sociais. Em Cuba, por exemplo, a revolução acabou com o analfabetismo e criou um dos melhores sistemas de saúde do mundo, que antes simplesmente não existia para a maioria pobre. A pergunta é: um povo é mais livre quando pode votar, mas morre de doenças curáveis, ou quando tem a sua saúde e educação garantidas? -
3. Propósito: A quem serve o poder?
Esta é a diferença fundamental. Uma ditadura de direita (como a de Pinochet no Chile) existe para proteger os ricos e esmagar os trabalhadores, entregando as riquezas do país a empresas privadas e estrangeiras. Um Estado socialista, com todos os seus erros, tem como projeto o oposto: acabar com a exploração e garantir que a riqueza produzida serve a maioria trabalhadora, e não uma pequena elite. -
4. Hipocrisia: Dois pesos e duas medidas.
As mesmas potências ocidentais que hoje gritam "ditadura!" contra Cuba, apoiaram e financiaram durante décadas as ditaduras mais sangrentas da direita, como a de Pinochet ou a de Salazar em Portugal, porque estas serviam os seus interesses económicos. A "defesa da democracia" só parece ser uma prioridade quando os povos escolhem um caminho que não agrada aos donos do capital.
Analisar com seriedade é ir muito além da propaganda e dos slogans fáceis.
1. O Trabalho:
Da Dignidade Conquistada à Precariedade Imposta
A Conquista Histórica
É preciso lembrar o que era Portugal para a maioria do seu povo antes do 25 de Abril de 1974. Era um país de salários de miséria, sem direito a férias pagas para a maioria, sem subsídios, sem proteção real no desemprego ou na doença. A Revolução de Abril não trouxe apenas a liberdade de expressão; trouxe uma revolução social. Pela primeira vez na nossa história, a Constituição da República Portuguesa consagrou os direitos dos trabalhadores como um pilar do novo regime democrático. A contratação coletiva, o subsídio de férias e de Natal, o direito à greve – foram conquistas arrancadas pela luta do movimento operário e sindical, que a direita nunca perdoou.
A Ofensiva Neoliberal
A partir dos anos 80, e com uma aceleração brutal com a adesão à CEE e, mais tarde, com a Troika, assistimos à ofensiva ideológica da direita. Palavras como "flexibilidade" e "competitividade" foram usadas como um aríete para destruir direitos. A "flexibilidade" significou facilitar os despedimentos. A "competitividade" foi o pretexto para congelar e baixar salários. O resultado está à vista: uma geração de jovens altamente qualificada que só conhece a precariedade dos falsos recibos verdes e dos contratos a prazo, e uma classe trabalhadora empobrecida.
A Alternativa de Esquerda
Quando a esquerda defende o aumento geral dos salários, não está apenas a propor uma medida económica. Está a defender a recuperação do poder de compra perdido e a distribuição mais justa da riqueza que os trabalhadores criam. Quando lutamos pelo fim da precariedade, estamos a defender que os jovens possam planear a sua vida. Quando propomos as 35 horas de trabalho semanais, estamos a lutar pelo direito ao descanso, à cultura e à família, e a combater o desemprego.
Para o indeciso e o opositor: A memória é curta, mas os factos são teimosos. Durante a crise da Troika, quem esteve do lado dos trabalhadores, votando contra cada corte nos salários, nas pensões e nos direitos? E quem, de braço dado com os "interesses externos", aplicou o mais violento programa de empobrecimento da nossa história recente? A resposta a esta pergunta separa, de forma inequívoca, os projetos de esquerda e de direita para o país.
A Falácia da Meritocracia num Sistema Desigual
Desconstruindo a direita, fortalecendo a solidariedade.
Um dos argumentos centrais da direita para justificar as desigualdades é a "meritocracia": a ideia de que o sucesso depende apenas do mérito e do esforço individual. Quem é rico, é porque "trabalhou para isso". Quem é pobre, é porque "não se esforçou o suficiente".
Esta é uma das falácias mais cruéis do discurso neoliberal.
A meritocracia só seria um conceito justo se todos partissem do mesmo ponto, com as mesmas oportunidades. Mas isso não é verdade. Numa sociedade como a nossa, o ponto de partida é radicalmente diferente para cada um. Uma criança que nasce numa família abastada, com acesso a colégios privados, explicações, cuidados de saúde de topo e uma rede de contactos familiares, não está a competir em pé de igualdade com uma criança que cresce num bairro social, cuja família luta para pagar as contas ao fim do mês.
O discurso da meritocracia serve para culpabilizar os pobres pela sua pobreza e para ilibar um sistema que, por desenho, concentra a riqueza e as oportunidades numa minoria. A esquerda não nega a importância do esforço individual, mas reconhece que este, por si só, não chega.
É por isso que lutamos por um Estado Social forte e universal: para garantir que o acesso à saúde, à educação e à cultura seja um direito de todos, e não um privilégio de alguns. O objetivo é nivelar o ponto de partida, para que o talento e o esforço possam, de facto, florescer em qualquer pessoa, independentemente do berço em que nasceu.
Para o indeciso e o opositor: Acredita honestamente que um trabalhador precário que acumula dois empregos para sobreviver "se esforça menos" do que um herdeiro que vive de rendimentos? A verdadeira questão não é "quem trabalha mais", mas sim "quem beneficia do trabalho de quem?".
2. O Estado Social:
Qual é o verdadeiro custo do seu desinvestimento?
A resposta a esta pergunta vai muito além dos números do Orçamento do Estado.
O verdadeiro custo não se mede em euros, mas em vidas perdidas nas listas de espera, em futuros roubados pela falta de acesso à educação e na dignidade negada a quem trabalhou uma vida inteira.
A Conquista Histórica
O Serviço Nacional de Saúde (SNS), a Escola Pública e a Segurança Social universal não nasceram por geração espontânea. Foram o fruto da visão progressista e da luta da esquerda, que entendeu que direitos fundamentais como a saúde, a educação e a proteção na velhice não podiam ser um negócio.
A Estratégia de Desmantelamento
A direita nunca se conformou com um Estado Social forte. A sua estratégia tem sido subtil, mas implacável:
1. Subfinanciar para degradar a resposta.
2. Difamar para gerar descontentamento.
3. Apresentar o setor privado como a solução "eficiente".
É uma profecia autorrealizável: degradam o que é de todos para depois venderem a solução a cada um, individualmente.
Serviços Públicos: O Pilar da Liberdade Coletiva
A direita define a "liberdade" como a ausência de Estado. Mas a pergunta que se impõe é: Até que ponto a 'liberdade económica' da direita ameaça a nossa liberdade real? Para um trabalhador, a "liberdade" de não ter dinheiro para uma cirurgia ou de escolher entre a renda e a creche não é liberdade, é angústia.
A esquerda entende que não há liberdade real sem segurança material e social.
Os serviços públicos são precisamente o pilar dessa liberdade coletiva. O SNS liberta-nos do medo da doença. A Escola Pública liberta-nos da ignorância. Defender o Estado Social é defender a ferramenta que garante a liberdade concreta da esmagadora maioria da população.
Para o indeciso e o opositor: Acredita que um hospital privado, cujo objetivo é o lucro, vai querer que você se mantenha saudável? Ou que uma sociedade é mais justa quando a sobrevivência depende da capacidade de pagar uma fatura?
O desmantelamento do que é de todos não é um ato de "liberdade", é a privatização da própria vida.
Para lá da notícia: Desconstruir o Neoliberalismo
Entender a ideologia dominante é o primeiro passo para a combater. O "neoliberalismo" não é um papão; é um conjunto de políticas concretas com consequências reais.
- O que é? Em suma, é a crença de que o mercado deve governar todas as esferas da vida. O seu receituário é sempre o mesmo: privatizar, desregulamentar e cortar no social.
- Privatizar: Vender empresas públicas estratégicas e lucrativas (EDP, CTT, ANA). O lucro que era de todos passa a ser de alguns.
- Desregulamentar: Eliminar regras que protegem trabalhadores (facilitando despedimentos) e o ambiente. O objetivo é dar "liberdade" total às grandes empresas para maximizarem os lucros.
- Cortar no Social: Reduzir o investimento no SNS, na Escola Pública e na Segurança Social, sob o pretexto de "cortar na despesa", abrindo estes setores ao negócio privado.
A luta da esquerda é, na sua essência, uma luta anti-neoliberal. É a luta por recuperar o controlo democrático sobre a economia e por reafirmar que a dignidade não está, nem pode estar, à venda.
3. Soberania e Produção Nacional: Ser Dono do Nosso Destino
A Conquista Histórica
Portugal já foi um país com uma indústria naval, siderúrgica, têxtil e metalomecânica de relevo. Tinha uma agricultura e pescas capazes de alimentar a sua população.
A Constituição de Abril previa o controlo público dos setores estratégicos da economia, precisamente para garantir que a reconstrução do país serviria os interesses do povo e não de uma elite ou de potências estrangeiras.
O Desmantelamento e a Submissão
Durante décadas, governos de direita e outros que se lhe seguiram, submissos às imposições da União Europeia, destruíram a nossa capacidade produtiva. Fomos forçados a aceitar quotas que mataram a nossa agricultura e a nossa frota de pescas. Fomos pressionados a privatizar as nossas empresas mais valiosas e estratégicas. Hoje, quem decide o preço da nossa eletricidade, dos nossos combustíveis, das nossas comunicações? São conselhos de administração em Madrid, em Pequim, em Paris. Empresas como a EDP, a GALP, a ANA Aeroportos, os CTT, que foram construídas com o esforço de gerações de portugueses, foram entregues a capital estrangeiro, que extrai lucros de milhares de milhões de euros do nosso país, deixando-nos apenas com as faturas para pagar.
A Alternativa Patriótica e de Esquerda
Uma esquerda consequente defende, sem ambiguidades, a Soberania Nacional. Não por um capricho nacionalista, mas por uma necessidade concreta de desenvolvimento. Um país que não controla os seus setores estratégicos não é um país livre. Defender a soberania é: recuperar o controlo público dos setores estratégicos; apoiar a produção nacional; e defender uma política externa soberana, rejeitando o alinhamento automático com a NATO e a sua espiral de guerra, que nos arrasta para conflitos que não são nossos e desvia milhares de milhões de euros que fazem falta ao SNS e às escolas.
Para o indeciso e o opositor: A pandemia e a guerra na Ucrânia não foram suficientes para perceber o perigo de depender do estrangeiro para bens essenciais? Não se sente impotente ao saber que a fatura da luz que paga serve para encher os bolsos de acionistas a milhares de quilómetros, enquanto os nossos serviços públicos definham?
Quando o Medo se Torna a Principal Ferramenta da Direita
Perante o falhanço das suas propostas, levanta-se uma questão: será a crescente polarização uma consequência inevitável ou uma estratégia política deliberada? A resposta é clara. A direita recorre à sua mais antiga ferramenta: o medo. O discurso transforma-se numa campanha para dividir e criar bodes expiatórios para os problemas que as suas próprias políticas criaram.
O mecanismo é sempre o mesmo. Em vez de discutir a degradação dos salários, fala-se do "medo da imigração", culpando o trabalhador estrangeiro pela exploração que o patronato impõe a todos. Em vez de atacar as causas da criminalidade – a pobreza, a exclusão social –, agita-se o "medo da insegurança", pedindo mais polícia e menos garantias.
Esta estratégia é duplamente perversa. Primeiro, porque desvia as atenções dos verdadeiros responsáveis. Segundo, porque joga trabalhadores contra trabalhadores, destruindo a solidariedade que é a única força capaz de impor uma mudança real. A esquerda tem o dever de combater esta política do medo com a política da clareza, unindo todos os que sofrem na luta por uma alternativa comum.
A Luta é o Caminho
A direita oferece-nos a resignação e o medo. A resignação de que "é assim mesmo" e o medo de que qualquer mudança será para pior.
É uma narrativa que serve apenas para manter os privilégios de uma minoria.
A esquerda oferece a esperança que nasce da luta e da consciência.
A certeza de que um país mais justo não só é possível, como é a única saída para a encruzilhada em que nos encontramos.
A escolha, em cada eleição e em cada luta do dia-a-dia, é esta. Continuar no caminho do empobrecimento e da submissão, ou retomar o caminho de Abril.
A História já nos mostrou qual dos dois serve os interesses dos trabalhadores e do povo.
A decisão de que lado estar é de cada um de nós.
Este texto é um ponto de partida.
A questão que fica para todos nós é: como podemos, enquanto cidadãos de esquerda, comunicar estas ideias de forma mais eficaz e transformar a reflexão em ação coletiva?