Habitação: O Direito Roubado

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Habitação:
O Direito Roubado

Habitação não é mercadoria: é um direito que exige coragem política para ser garantido.

A crise da habitação em Portugal não é um desastre natural. Não é um fenómeno inevitável de mercado nem uma consequência de uma súbita falta de casas. A crise da habitação é o resultado direto e palpável de décadas de opções políticas, implementadas por sucessivos governos, que consistentemente escolheram proteger os lucros da banca, dos fundos imobiliários e dos grandes especuladores em detrimento do direito fundamental a uma casa para quem vive e trabalha no nosso país.

Enquanto famílias trabalhadoras são esmagadas por rendas e prestações incomportáveis e enquanto jovens são forçados a adiar a sua autonomia, o capital financeiro e imobiliário celebra lucros históricos. Nesta página, propomos uma análise rigorosa e refletida. Desmontaremos a farsa das "soluções" de mercado e apresentaremos as propostas estruturais para que a habitação seja, de uma vez por todas, tratada como o direito que é.

I. O Diagnóstico Correto:
Uma Crise de Salários e de Especulação

A raiz do problema é o modelo de baixos salários. A taxa de esforço das famílias atingiu níveis insustentáveis porque o custo da habitação subiu em elevador enquanto os salários subiram de escada. Entre 2015 e o início de 2025, o preço médio das casas em Portugal aumentou quase 140%, com os grandes centros urbanos de Lisboa e Porto a ultrapassarem um aumento de 150%. No mesmo período, o salário médio cresceu de forma residual.

O Abismo em Números (Média Nacional 2015-2025)

Ano Crescimento Habitação (%) Crescimento Salário Médio (%) Diferença (O Abismo)
2015 +0% +0% 0 p.p.
2018 +30% +9% 21 p.p.
2021 +75% +18% 57 p.p.
2023 +110% +24% 86 p.p.
2025 +140% +30% 110 p.p.

Fontes: INE (IPHab e Remuneração Média Bruta) e Banco de Portugal. Valores de crescimento acumulado desde 2015.

A esta realidade somam-se as opções políticas que transformaram um direito num casino financeiro:

  • A Liberalização do Arrendamento: A "Lei Cristas" (Lei n.º 31/2012) foi o golpe de misericórdia no mercado, encurtando contratos e facilitando despejos, entregando os inquilinos a uma instabilidade permanente.
  • Incentivos Fiscais à Especulação: Mecanismos como os Vistos Gold e a liberalização do Alojamento Local (AL) retiraram milhares de casas do mercado de arrendamento e expulsaram moradores dos centros históricos.
  • A Submissão à Banca: Com a subida das taxas de juro, os maiores bancos registaram lucros recorde (superiores a 4 mil milhões de euros em 2023). O Estado optou por subsidiar os juros em vez de taxar estes lucros extraordinários.

Crise para Muitos, Lucro Recorde para a Banca

Lucro Líquido consolidado dos cinco maiores bancos a operar em Portugal. Valores em milhões de euros (€).
Banco Lucro 2022 Lucro 2023 Lucro 2024
CGD 843 M€ 1.291 M€ 1.735 M€
BCP 208 M€ 856 M€ 906 M€
Santander Totta 569 M€ 895 M€ 990 M€
Novo Banco 561 M€ 743 M€ 745 M€
BPI 369 M€ 524 M€ 588 M€
TOTAL (5 Bancos) 2.550 M€ 4.309 M€ 4.964 M€

Fontes: Resultados e contas anuais consolidados (2022-2024) da CGD, BCP, Santander Totta, Novo Banco e BPI, conforme reportado publicamente.

II. A Farsa das "Soluções" Governamentais

Os programas do governo partilham o mesmo ADN: tratar a crise como um problema de "falta de oferta", beneficiando o setor privado.

O Mito do "Choque de Oferta": A ideia de que basta construir mais é uma falácia perigosa. Segundo os Censos 2021, existem em Portugal 723.215 alojamentos vagos. O "choque de oferta" é um slogan para justificar a canalização de fundos para as grandes construtoras, que construirão a preços de mercado, não resolvendo o problema da acessibilidade.

O Mito da Falta de Casas

Os dados oficiais dos Censos mostram que Portugal não tem uma carência de edifícios, mas sim um excesso de casas sem gente.

0
Alojamentos Vagos em 2021

Evolução nas Últimas Décadas

735.545
Alojamentos Vagos em 2011
573.171
Alojamentos Vagos em 2001
356.826
Alojamentos Vagos em 1991

Conclusão: O número de casas vazias em Portugal duplicou em 30 anos e, apesar de uma ligeira descida entre 2011 e 2021, mantém-se em níveis historicamente elevadíssimos.

Fonte: Instituto Nacional de Estatística (INE), Censos (1991, 2001, 2011 e 2021).

III. O Caminho da Esquerda:
Propostas Estruturais

1. Aumento Geral dos Salários e Pensões

É a reivindicação primordial. A luta pelo aumento real do poder de compra é a primeira e mais eficaz política de habitação.

2. Controlo e Regulação Direta do Mercado

O Estado tem de intervir com força através do tabelamento de rendas, da proteção real dos inquilinos e de uma fiscalidade que penalize fortemente os imóveis devolutos.

3. Criação de um Forte Setor Público e Cooperativo

A única forma de regular o mercado é através de uma forte oferta não especulativa, inspirada em modelos como o de Viena. Isto implica um investimento massivo num parque de habitação pública (atualmente inferior a 3% em Portugal) e o fomento de cooperativas habitacionais.

Habitação Pública: Portugal na Cauda da Europa

País Habitação Social/Pública (% do Total)
Países Baixos ~ 30%
Áustria ~ 24%
Dinamarca ~ 21%
Suécia ~ 19%
Reino Unido ~ 17%
França ~ 14%
Média (UE) ~ 9%
Bandeira de Portugal Portugal
~ 2%

Fontes: OCDE (Affordable Housing Database) e Housing Europe ("The State of Housing in the EU 2023"). Os valores são aproximados.

Conclusão:
A Luta por uma Casa é a Luta por um Futuro

A crise da habitação é o espelho de um país de desigualdades. A solução não virá dos mesmos que a criaram e que lucram com ela.

A solução exige uma rutura. Exige que se trate a habitação como uma função social do Estado e um direito inalienável, e não como um ativo financeiro.

O caminho proposto, centrado na valorização do trabalho, na regulação do mercado e no investimento público, é o único que pode garantir que as nossas cidades pertençam a quem nelas vive e trabalha.