É importante notar, à partida, que embora o uso de vestuário que oculte o rosto não seja uma prática comum em Portugal e possa, compreensivelmente, gerar alguma sensação de estranheza ou até de insegurança, e que por uma questão de princípio e coesão social se espere uma adaptação aos costumes do país de acolhimento, o debate sobre esta matéria não tem sido, de facto, uma prioridade nacional. A súbita elevação deste tema surge num momento em que o país enfrenta desafios estruturais profundos, que afetam a esmagadora maioria da população de forma direta e diária, tornando o timing e o foco desta discussão política particularmente questionáveis.
Num país a braços com desafios que afetam milhões de cidadãos diariamente, a súbita emergência do debate sobre a proibição de vestuário que oculte o rosto no espaço público soa, no mínimo, a um desvio surreal da realidade. Enquanto se gasta tempo de antena e energia política a discutir uma questão que não representa um problema social existente, a lista de crises reais acumula-se, convenientemente deixada na sombra.
O mais perverso nesta discussão é que ela se faz sobre um grupo invisível. Legisla-se sobre o corpo e a identidade de um número ínfimo de mulheres (se alguma), sem que a sua voz ou realidade sejam consideradas. Elas servem apenas como um símbolo abstrato para uma batalha política que nada tem a ver com a sua existência.
Este foco desproporcional é um insulto à inteligência dos portugueses. Funciona como uma cortina de fumo, um "véu" perfeito para esconder as verdadeiras prioridades que deveriam estar no centro de qualquer discussão política séria: